"As histórias portuguesas são as mais cruéis, mágicas e caridosas"
Recebeu este mês o prémio Personalidade do Ano da Associação de Imprensa Estrangeira. Como artista, e sendo mais que consensual, o reconhecimento da imprensa é algo que ainda a seduz?
A propaganda é sempre uma coisa boa. Não só para mim como também é uma coisa que interessa à arte portuguesa em geral, da qual sou uma mera representante. E interessa sobretudo ao Governo [a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, esteve presente na entrega do prémio] e à Câmara de Cascais, que investiu imenso na Casa das Histórias [inaugurada a 18 de Setembro de 2009].
Enquanto artista, em que é que isso tudo se traduz, para além da óbvia promoção?
A minha pintura, ou pelo menos grande parte dela, sempre se baseou nas histórias tradicionais portuguesas. É, aliás, por causa dessas histórias que volto frequentemente a Portugal [Paula Rego reside em Inglaterra durante grande parte do ano] e não foi por acaso que escolhi chamar Casa das Histórias à minha "residência" artística. O reconhecimento também é uma forma de chamar a atenção para as nossas histórias, que são património de todos nós.
E o que torna essas histórias tão importantes?
As histórias tradicionais portuguesas têm qualidades muito especiais. São as mais cruéis, mágicas, extraordinárias, caridosas e assombrosas de todas.
Mais do que as russas?
Muito mais!
A temática dos contos tradicionais ainda é um território por explorar?
É um terreno como os outros todos, em que cada um retira de lá o que entender. Mas as histórias foram o que eu escolhi.
E porque é que escolheu essas histórias e não outro tema qualquer, já que não há diferença? É essa diversidade de características que as torna tão importantes?
É tudo ao mesmo tempo. As histórias tradicionais, por terem sido perpetuadas ao longo dos anos, mesmo em situações onde a vida não era propriamente fácil, ensinam verdades muito cruéis acerca das coisas, acerca do mundo. Ao mesmo tempo que, às vezes, têm um lado muito humano.
Acha que reflectem a cultura portuguesa, e os portugueses até, enquanto povo?
Acho que se prendem tanto com uma questão de identidade nacional como com a nossa personalidade. Com aquilo que somos.
E a Casa das Histórias também reflecte essas questões de identidade nacional, tal como a sua pintura mostra essas histórias?
Nesse lado das histórias, sim, acho que fala um pouco de nós. Mas acho que a "identidade nacional" é uma coisa que todos os artistas portugueses acabam por reflectir. Por isso é que disse que apoiar os artistas é algo que interessa sobretudo ao Estado, num lado de serviço público, se lhe quiser chamar.